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Nesse episódio tratamos a questão de crianças e adolescentes que desenvolvem dependência de jogos eletrônicos e conectividade com redes virtuais. Embora não esteja ainda incluso no DSM, o Transtorno de Dependência de Tela já possui nomenclatura e tratamento específico, sendo um fenômeno ainda pouco estudado no Brasil.
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CONTEÚDO DO PROGRAMA
Dependentes de telas: transtornos
comportamentais gerados pelo uso inadequado de tecnologia
Podcast
Adolescer Psico 16/01/2020
Texto
baseado em matéria publicada no El País, em 12/04/2019, e na
Revista Eletrônica Saber é Saúde, em artigo intitulado “Transtorno
de Dependência de Tela é real e pode danificar o cérebro de seu
filho”.
De
acordo com o IBGE, 8 em cada 10 crianças estão on-line, o que
significa que, no Brasil, quase 25 milhões de internautas são
crianças e adolescentes. Apesar disso, faltam estudos sobre a
extensão dos problemas envolvendo o uso excessivo de tecnologia
acerca desse segmento da população. Em 2018, a Organização
Mundial de Saúde incluiu o transtorno por videogames e jogos
eletrônicos como doença mental em sua Classificação Internacional
de Doenças (CID-11). O transtorno se refere ao uso de videogames com
ou sem conexão com a internet. Para a OMS, o uso excessivo dos jogos
eletrônicos caracteriza-se como transtorno caso a prática de tal
atividade represente deterioração significativa na área de
funcionamento pessoal, familiar, social e no desempenho educacional.
Entretanto, alguns pesquisadores, inclusive de Oxford, se opuseram a
essa resolução da OMS, alegando falta de consenso da comunidade
científica sobre os sintomas a serem levados em conta. Além disso,
consideraram que a inclusão desse novo transtorno poderia provocar
pânico ou levar à aplicação prematura de diagnóstico por parte
da comunidade médica, principalmente devido à abundância de casos
falso-positivos, especialmente entre crianças e adolescentes. Os
pesquisadores ainda problematizaram a questão do estigma que o
CID-11 poderia gerar em torno da comunidade de jogadores saudáveis.
Indo
para além da compulsão tocante aos jogos eletrônicos e de rede, em
muitos aspectos semelhante à tradicional ludopatia - popularmente
conhecida como vício em jogos e apostas - a dependência de
conectividade pode ser mais ampla, não se restringindo somente ao
universo dos jogos. Na Espanha, por exemplo, já existem estudos mais
aprofundados em relação à apelidada “dependência de tela”,
também conhecida como “vício sem substância”. Segundo
pesquisas, 1 em cada 5 espanhóis entre 10 e 25 anos sofre de
transtornos comportamentais devido à tecnologia. Os comportamentos
envolvem não dormir, não possuir rotina de alimentação, deixar de
ter hábitos de higiene, isolar-se, fugir a interações sociais,
demonstrar sintomas de abstinência como alta irritabilidade,
oposição à autoridade parental e escolar, incapacidade de
interromper as atividades de tela, perda de interesses externos, uso
de smartphones para se esquivar a atividades adversas, hábito de
mentir de modo contumaz sobre o tempo de uso de jogos, aplicativos e
de redes sociais na internet.
Nesse
contexto, as crianças são indiscutivelmente mais suscetíveis a
esse tipo de adicção, uma vez que têm o cérebro mais sensível a
mudanças significativas na estrutura e na conectividade neuronal,
estabelecida pelas inter-relações de aprendizagem e comportamentos
que envolvam contenção das emoções por meio da racionalidade e
autocontrole. Os adolescentes também não deixam de ser muito
vulneráveis aos estímulos eletrônicos, visto que neles o lobo
frontal – a parte do cérebro responsável pela regulação dos
impulsos – não terminou de se formar.
José
Moreno, diretor do Centro de Vícios Tecnológicos da Comunidade de
Madri, ressalta que, se essas crianças e adolescentes se refugiam na
tecnologia, na maioria dos casos, é porque escondem carências
pessoais ou problemas de autoestima. Segundo ele, o vício é o que
vemos, porém, assim como em um iceberg, por baixo pode haver
conflitos familiares, casos de bullying, luto pela morte de um ente
querido e até mudanças de residência e contexto social. A falta de
desenvolvimento de habilidades sociais que podem ser estimuladas na
infância e adolescência é ainda outro agravante, assim como a
baixa autoestima.
De
acordo com Moreno, muitas famílias que vão à terapia por conta da
adicção dos filhos revelam-se disfuncionais. Assim, não costumam
expressar com clareza suas emoções nem sabem dizer não de forma
respeitosa. É comum agirem com julgamentos e gritos, ou seja, de
forma violenta. Desse modo, para que a terapia apresente resultados,
precisam aprender maneiras mais saudáveis de se relacionar. Quanto
às crianças e adolescentes, a terapia em grupo costuma ter bons
resultados, já que esses jovens começam a se relacionar com outros
da mesma idade e com problemas semelhantes.
Moreno
alerta ainda que é comum que se deem tablets para as crianças na
hora das refeições, para acalmá-las de uma birra ou simplesmente
para ocupá-las. Esse ato, embora compreensível, ensina a criança a
regular suas emoções por meio de um aparelho, ou seja, não importa
o que ela venha a sentir, o aparelho eletrônico tenderá sempre a se
tornar seu refúgio diante dos diversos contextos da vida,
distraindo-a da experiência com o mundo presencial e concreto da
qual ela essencialmente faz parte. Assim, faltarão a ela repertórios
para lidar com situações adversas e para entender e lidar com suas
próprias emoções.
Psicólogos
afirmam que, ao começar o tratamento, o vazio emocional dos jovens é
muito grande. Sua vida foi preenchida pelo jogo e pelo reconhecimento
que outras pessoas no ambiente de rede dão a eles por suas façanhas
virtuais. Ao contrário do que ocorre na vida presencial, nesse mundo
paralelo eles se sentem competentes, e os fracassos praticamente não
são penalizáveis ou punitivos. Dificilmente existe algo na vida
concreta que possa oferecer a eles oportunidade
semelhante. O meio virtual é excitante porque apresenta desafios a
serem vencidos e cada momento de êxito representa uma descarga de
dopamina, que produz uma sensação de satisfação imediata. Por
esse motivo, a prática de esportes e atividades lúdicas e físicas
possuem também um papel importante para melhora desses jovens, pois,
por meio delas, podem experimentar sensações de bem-estar e êxito,
o que os favorece física, social e emocionalmente fora do contexto
virtual.
De
qualquer modo, Moreno, outros psicólogos e psiquiatras destacam: a
família é referência, o distúrbio não nasce sozinho. Por esse
motivo, o tratamento nunca deve ser centrado somente na criança ou
no adolescente, pois a melhora deles envolve a mudança de um estilo
de vida no qual pais ou responsáveis também têm parte.