quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

TRANSTORNO DE DEPENDÊNCIA DE TELA - VÍCIO SEM SUBSTÂNCIA

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Nesse episódio tratamos a questão de crianças e adolescentes que desenvolvem dependência de jogos eletrônicos e conectividade com redes virtuais. Embora não esteja ainda incluso no DSM, o Transtorno de Dependência de Tela já possui nomenclatura e tratamento específico, sendo um fenômeno ainda pouco estudado no Brasil.

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CONTEÚDO DO PROGRAMA


Dependentes de telas: transtornos comportamentais gerados pelo uso inadequado de tecnologia

Podcast Adolescer Psico 16/01/2020

Texto baseado em matéria publicada no El País, em 12/04/2019, e na Revista Eletrônica Saber é Saúde, em artigo intitulado “Transtorno de Dependência de Tela é real e pode danificar o cérebro de seu filho”.

De acordo com o IBGE, 8 em cada 10 crianças estão on-line, o que significa que, no Brasil, quase 25 milhões de internautas são crianças e adolescentes. Apesar disso, faltam estudos sobre a extensão dos problemas envolvendo o uso excessivo de tecnologia acerca desse segmento da população. Em 2018, a Organização Mundial de Saúde incluiu o transtorno por videogames e jogos eletrônicos como doença mental em sua Classificação Internacional de Doenças (CID-11). O transtorno se refere ao uso de videogames com ou sem conexão com a internet. Para a OMS, o uso excessivo dos jogos eletrônicos caracteriza-se como transtorno caso a prática de tal atividade represente deterioração significativa na área de funcionamento pessoal, familiar, social e no desempenho educacional. Entretanto, alguns pesquisadores, inclusive de Oxford, se opuseram a essa resolução da OMS, alegando falta de consenso da comunidade científica sobre os sintomas a serem levados em conta. Além disso, consideraram que a inclusão desse novo transtorno poderia provocar pânico ou levar à aplicação prematura de diagnóstico por parte da comunidade médica, principalmente devido à abundância de casos falso-positivos, especialmente entre crianças e adolescentes. Os pesquisadores ainda problematizaram a questão do estigma que o CID-11 poderia gerar em torno da comunidade de jogadores saudáveis.

Indo para além da compulsão tocante aos jogos eletrônicos e de rede, em muitos aspectos semelhante à tradicional ludopatia - popularmente conhecida como vício em jogos e apostas - a dependência de conectividade pode ser mais ampla, não se restringindo somente ao universo dos jogos. Na Espanha, por exemplo, já existem estudos mais aprofundados em relação à apelidada “dependência de tela”, também conhecida como “vício sem substância”. Segundo pesquisas, 1 em cada 5 espanhóis entre 10 e 25 anos sofre de transtornos comportamentais devido à tecnologia. Os comportamentos envolvem não dormir, não possuir rotina de alimentação, deixar de ter hábitos de higiene, isolar-se, fugir a interações sociais, demonstrar sintomas de abstinência como alta irritabilidade, oposição à autoridade parental e escolar, incapacidade de interromper as atividades de tela, perda de interesses externos, uso de smartphones para se esquivar a atividades adversas, hábito de mentir de modo contumaz sobre o tempo de uso de jogos, aplicativos e de redes sociais na internet.

Nesse contexto, as crianças são indiscutivelmente mais suscetíveis a esse tipo de adicção, uma vez que têm o cérebro mais sensível a mudanças significativas na estrutura e na conectividade neuronal, estabelecida pelas inter-relações de aprendizagem e comportamentos que envolvam contenção das emoções por meio da racionalidade e autocontrole. Os adolescentes também não deixam de ser muito vulneráveis aos estímulos eletrônicos, visto que neles o lobo frontal – a parte do cérebro responsável pela regulação dos impulsos – não terminou de se formar.

José Moreno, diretor do Centro de Vícios Tecnológicos da Comunidade de Madri, ressalta que, se essas crianças e adolescentes se refugiam na tecnologia, na maioria dos casos, é porque escondem carências pessoais ou problemas de autoestima. Segundo ele, o vício é o que vemos, porém, assim como em um iceberg, por baixo pode haver conflitos familiares, casos de bullying, luto pela morte de um ente querido e até mudanças de residência e contexto social. A falta de desenvolvimento de habilidades sociais que podem ser estimuladas na infância e adolescência é ainda outro agravante, assim como a baixa autoestima.

De acordo com Moreno, muitas famílias que vão à terapia por conta da adicção dos filhos revelam-se disfuncionais. Assim, não costumam expressar com clareza suas emoções nem sabem dizer não de forma respeitosa. É comum agirem com julgamentos e gritos, ou seja, de forma violenta. Desse modo, para que a terapia apresente resultados, precisam aprender maneiras mais saudáveis de se relacionar. Quanto às crianças e adolescentes, a terapia em grupo costuma ter bons resultados, já que esses jovens começam a se relacionar com outros da mesma idade e com problemas semelhantes.

Moreno alerta ainda que é comum que se deem tablets para as crianças na hora das refeições, para acalmá-las de uma birra ou simplesmente para ocupá-las. Esse ato, embora compreensível, ensina a criança a regular suas emoções por meio de um aparelho, ou seja, não importa o que ela venha a sentir, o aparelho eletrônico tenderá sempre a se tornar seu refúgio diante dos diversos contextos da vida, distraindo-a da experiência com o mundo presencial e concreto da qual ela essencialmente faz parte. Assim, faltarão a ela repertórios para lidar com situações adversas e para entender e lidar com suas próprias emoções.

Psicólogos afirmam que, ao começar o tratamento, o vazio emocional dos jovens é muito grande. Sua vida foi preenchida pelo jogo e pelo reconhecimento que outras pessoas no ambiente de rede dão a eles por suas façanhas virtuais. Ao contrário do que ocorre na vida presencial, nesse mundo paralelo eles se sentem competentes, e os fracassos praticamente não são penalizáveis ou punitivos. Dificilmente existe algo na vida concreta que possa oferecer a eles oportunidade semelhante. O meio virtual é excitante porque apresenta desafios a serem vencidos e cada momento de êxito representa uma descarga de dopamina, que produz uma sensação de satisfação imediata. Por esse motivo, a prática de esportes e atividades lúdicas e físicas possuem também um papel importante para melhora desses jovens, pois, por meio delas, podem experimentar sensações de bem-estar e êxito, o que os favorece física, social e emocionalmente fora do contexto virtual.

De qualquer modo, Moreno, outros psicólogos e psiquiatras destacam: a família é referência, o distúrbio não nasce sozinho. Por esse motivo, o tratamento nunca deve ser centrado somente na criança ou no adolescente, pois a melhora deles envolve a mudança de um estilo de vida no qual pais ou responsáveis também têm parte.

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